Esquema de tráfico de travestis é desmantelado pela polícia

A dona da pensão cobrava um valor mensal pelo quarto coletivo e intermediava implantes de silicone nos seios


A Polícia Civil de São Paulo desmantelou um esquema de tráfico de pessoas para exploração sexual na noite de quarta-feira (2), no centro da capital paulista, ao encontrar duas pensões com mais de 70 travestis, a maioria da região Norte do País, entre eles seis adolescentes. A descoberta ocorreu por acaso, quando os investigadores buscavam um garoto de 17 anos desaparecido da casa dos pais em Belém (PA), em 27 de dezembro do ano passado.

Os pais suspeitavam que o filho tinha vindo para São Paulo e acionaram o Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), que localizou o garoto em uma pensão no Cambuci, na Rua Hermínio Lemos. Lá, os policiais souberam de uma segunda pensão que faria parte do esquema, na Rua Cruzeiro do sul, no Bom Retiro, e foram ao local. Um livro de contabilidade e porções de maconha foram apreendidos.

Todos os travestis foram levados ao DHPP. Segundo o delegado divisionário de proteção à pessoa, Joaquim Dias Alves, cerca de 90% deles eram do Estado do Pará e estavam presos aos aliciadores por meio de dívidas. "Eles trazem as pessoas para São Paulo, as enfiam numa casa precária e controlam seu ir e vir", disse.

De acordo com depoimentos colhidos pelo delegado, a gerente do esquema, conhecida por Telma, retinha as certidões de nascimento dos travestis e castigava fisicamente quem desobedecesse as regras da pensão. Numa situação análoga ao trabalho escravo, quem tinha dívidas era impedido de ir embora. Telma e um suposto comparsa no esquema estão foragidos.

Um travesti de 20 anos, que preferiu não se identificar, disse que não se sentia preso no local, pois tinha "casa e comida" e "podia sair e voltar quando quiser". Ele contou que a dona da pensão cobrava um valor mensal pelo quarto coletivo e intermediava implantes de silicone nos seios para quem desejasse. "Paguei uma quantia por mês e, depois de um ano, ela arrumou o implante", disse.

O coordenador de políticas para a diversidade sexual do governo do Estado, Dimitri Sales, foi ao DHPP e disse que o caso enquadra-se como tráfico de pessoas para exploração sexual, mas destacou que é difícil para os travestis reconhecerem essa situação. "Os aliciadores se aproveitam de uma situação de fragilidade, pois muitos travestis não têm apoio familiar, e oferecem casa, comida e suporte afetivo. Se eles adoecem, dão remédio. Mas, no final das contas, os aliciadores veem os travestis como um produto lucrativo, que precisa ser cuidado", diz. "É um vínculo difícil de ser rompido".

Segundo Dimitri, o governo estadual oferecerá vagas em abrigos municipais ou apoio para os travestis que desejam retornar à cidade natal. Para os adolescentes sem família, a coordenadoria avalia a inclusão no Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM).