Meninas de 14 anos fazem da Afonso Pena ponto de prostituição


Adolescentes ocupam lado direito da principal avenida de BH e cobram preço de garotas “veteranas” por programa


TONINHO ALMADA
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Adolescentes usam roupas e postura provocantes para parecerem mais sensuais


Meninas de 14 anos estão sendo sexualmente exploradas na Avenida Afonso Pena, em pleno coração de Belo Horizonte. Sem perder o jeito de crianças, as garotas apelam para roupas provocantes na tentativa de parecer mais sensuais. Também não demonstram pudor ao ficar se exibindo a eventuais clientes, que surgem a todo momento, alheios ao artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente que tipifica a exploração sexual de menores como crime, com pena de quatro a dez anos de prisão.

Em carros muitas vezes luxuosos, os fregueses diminuem a velocidade para “conferir o material”. As garotas chegam a entrar em alguns veículos para mostrar o corpo, o “produto” à “venda”. Os flagrantes foram feitos na noite da última quinta-feira pela reportagem do Hoje em Dia.

Como as prostitutas veteranas e os travestis não toleram a presença de menores nos pontos, para evitar problemas com a polícia, as adolescentes tiveram que encontrar seu próprio “lugar”. Em pequenos grupos, ocupam o lado direito da Afonso Pena, entre as ruas Alagoas e Timbiras. O local fica quase em frente ao Instituto de Educação de Minas Gerais, tradicional escola da capital.

Um grupo de quatro jovens foi abordado pouco antes da meia-noite. Uma morena magra, com short branco e blusa mostrando parte dos seios, se debruçou sobre a janela do carro. Questionada sobre sua idade, alegou ter 17 anos, mas disse que tem “amigas” entre 14 e 16 anos. Momentos antes, a reportagem havia percorrido a Afonso Pena. Na parte mais alta da via, garotas veteranas asseguraram que não havia adolescentes na região.

A idade das garotas não interfere no preço cobrado pelo “serviço”. As adultas informaram que o “aumento” do salário mínimo, que ainda não passou pelo Senado, fez subir o valor do programa. A sessão de sexo oral, que custava R$ 20, passou para R$ 30 (reajuste de 50%). Sexo no carro sai por R$ 50, 25% a mais que antes (R$ 40). Acompanhar o freguês ao motel sai a R$ 70. Antes, era R$ 60.

Os preços são os mesmos praticados ao longo de toda a avenida, o que sugere a formação de uma espécie de “cartel”. A única mulher a cobrar uma quantia diferenciada foi uma loira com sotaque gaúcho: R$ 200, para “valorizar o material”.

‘Batalha’ começa antes da meia-noite

A atuação das adolescentes que transformaram pontos da Avenida Afonso Pena em endereço certo para a exploração do sexo com menores de idade tem hora para começar: pouco antes da meia-noite. Embora viaturas das polícias Militar e Civil passem pelo local, as meninas agem livremente, muitas vezes em bandos.

A facilidade para negociar programas com garotas que estão na puberdade mostra que o discurso afiado de campanhas promovidas por ongs e pelo governo contra a prostituição infantil tem pouco efeito sobre a “clientela”. Um agravante é que as jovens podem estar sendo “agenciadas” por adultos. Na Avenida Afonso Pena, um homem em uma motocicleta vermelha, demonstrando conhecer as adolescentes, chegou ao local e apertou a mão de uma delas, o que sugere que ele possa ser o “cafetão” ou o “protetor” das meninas.

A abordagem de fregueses em potencial é constante e as jovens parecem não temer os desconhecidos. Uma das adolescentes que atuavam na Avenida Afonso Pena na noite da quinta-feira entrou em um carro prata, com placa de Congonhas, na Região Central de Minas, e sentou-se no banco de trás, com as pernas para fora. Incentivada pelas colegas, pareceu consumir algum tipo de produto antes de partir, logo depois, no veículo.

Na mesma via, mas alguns quarteirões abaixo, uma menina sozinha, recostada em um poste, disse ter mais de 18 anos, apesar da aparência juvenil, e do corpo quase sem seios. Com roupas minúsculas, ela informou os mesmos preços citados pelas outras colegas de profissão. Em seguida, mostrou a que tipo de situação as menores são submetidas, ao reclamar de dores na região genital.

Mas a atuação das menores não está restrita à Avenida Afonso Pena. Aos poucos, elas começam a descobrir outros locais de “trabalho” em Belo Horizonte. Estão fazendo programas na esquina da Avenida Getúlio Vargas com Rua Pernambuco, na Savassi, Região Centro-Sul; na Avenida Silviano Brandão, nas proximidades do Hospital São Camilo, na divisa dos bairros Sagrada Família e Horto, na Região Leste da capital; e na Rua Martinica, no Bairro Santa Branca, na Região da Pampulha.

"Profissão" alimentada por ilusões

A ilusão de que já seriam mulheres de corpo formado e de que teriam lucro financeiro está por trás da decisão de menores de idade venderem o próprio corpo. A avaliação é da assistente social e coordenadora do Programa de Ações Integradas e Referenciais (Pair) de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto Juvenil em Belo Horizonte, Elizabeth Campos.

Informada pelo Hoje em Dia sobre a exploração sexual das adolescentes em pleno Centro da capital mineira, ela classificou o episódio como “um crime grave”.

Também garantiu que convocaria uma reunião com outros integrantes da rede e acionaria a Polícia Militar para providenciar um flagrante e checar as informações. Segundo Elizabeth, se confirmada a situação, as jovens seriam removidas do local e teriam a proteção de seus direitos assegurada.

A assistente social também considerou extremamente sério o fato de, apesar das campanhas de alerta contra a exploração sexual de menores de idade, as adolescentes estarem sendo exploradas sexualmente. Agravantes seriam ação de suposto “cafetão” e a atitude de funcionários de motéis que não estariam checando a documentação das jovens na portaria, o que poderia inibir a presença delas no local. “Vamos tomar providências urgentes”, assegurou.

Para a assistente social, as meninas são atraídas para a atividade acreditando que terão acesso a dinheiro “fácil”. No entanto, acabam sendo exploradas por homens que lhes prometem proteção em troca de pagamentos. Apesar dos problemas, muitas se recusariam a largar a atividade.

O programa Pair baseia-se no Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto Juvenil. Foi implantado em Belo Horizonte em dezembro de 2005 pela Associação Municipal de Assistência Social (Amas), com recursos da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República e em parceria com diversos órgãos e entidades governamentais e não governamentais.

De acordo com a promotora da Vara da Infância e da Juventude de BH, Maria de Lurdes Santa Gema, um fórum vai debater o assunto na capital antes do Carnaval de 2011.
Em 2000, o Estatuto da Criança e do Adolescente foi modificado e passou a prever pena de até dez anos de prisão a quem explora menores de idade. Até então, a punição mais severa era de seis anos para quem enviasse crianças para o exterior de forma ilegal ou com a finalidade de obtenção de lucros, além de rapto para adoção. Agora, em alguns casos, a exploração sexual é crime inafiançável.

Na capital mineira, denúncias de exploração sexual infantil podem ser feitas pelos seguintes números: Disque-Denúncia Nacional: 100; Disque Direitos Humanos Estadual: 080031 11 19; Conselho Tutelar: 3277-5888 (Central de Informações); Ministério Público e Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude: (31) 3293-5584; 23ª Promotoria da Infância e Juventude: (31) 3272-2939; e Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente: (31) 3236-3809.