Policial larga arma por pedra


FOTO: CRISTIANO TRAD
Ex-policial foi usuário de crack e cocaína por dez anos
Eles trabalham com segurança pública e ajudam no combate ao tráfico de drogas. No entanto, casos de policiais dependentes químicos são mais comuns do que apontam as estatísticas. "Junto de advogados e médicos, eles compõem o grupo de profissionais com maiores índices de uso de drogas", informa o psiquiatra Bruno de Castro Costa, especialista em dependência química. Segundo ele, o alto nível de estresse dessas carreiras os coloca ainda mais vulneráveis.

O assunto é delicado e desagrada a cúpula das polícias, que guarda segredo sobre os números de viciados em crack nas corporações. A Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) não diz quantos são os profissionais afastados ou em recuperação. A Polícia Civil conta com um programa específico para prevenção e tratamento, o Programa de Acompanhamento Psicossocial (PAPS), que também mantém sob sigilo. Um vídeo em seu site apresenta a iniciativa como "acompanhamento psicossocial com visitas hospitalares e visitas nos domicílios de profissionais afastados, com o objetivo de diagnosticar os problemas que acometem os policiais".

De condições precárias de trabalho a problemas familiares, os motivos apontados pelos policiais para começar a usar o crack são inúmeros. Para alguns deles, a convivência com usuários e criminosos, o consumo de drogas legalizadas, como a cerveja, e a proximidade com as drogas por força da profissão são pontos fundamentais para entender como um policial se rende ao crack.

Foi o caso de Fabrício (nome fictício), um ex-agente de polícia de 42 anos, que é dependente químico e foi usuário de crack e cocaína por dez anos. O uso galopante da droga lhe trouxe inúmeros problemas e grandes perdas. "Comecei na cocaína e passei para o crack, que é o fundo do poço. Já gastei todo o meu salário em drogas, e quando não tinha mais grana, passei a vender coisas minhas. Chegava em casa sem celular, tênis e jaqueta; eu trocava tudo em pedra", relata. Internado mais de uma vez, disse que conheceu vários policiais dependentes químicos. "A polícia já perdeu um monte de profissionais que ficaram doentes (por causa da droga), vários bons policiais morreram de overdose. Conheci um viciado em crack que me disse que estava apenas aguardando a morte".

Fabrício trabalhou nas principais delegacias da capital, mas não conseguia largar o crack. No ápice do vício, chegou a fumar 3 gramas da droga por dia. Sua depressão aumentou e sua crise familiar também. "Fiz minha família sofrer demais. Eu só chorava e colocava a arma na minha boca para tentar me matar. Eu era o herói da minha filha, que está com 12 anos e sabe que sou viciado. Ainda me vejo como um drogado".

Em 2008, uma traficante da capital foi presa e o denunciou como cúmplice. Ele acabou preso e exonerado da corporação. "Eu comprava droga na mão dela, mas ela disse que eu que vendia, era mentira. Entrei em depressão, passei a usar ainda mais droga e quase passei fome", conta Fabrício.


Estudos mostram que a droga mais usada pelos policiais é o álcool, sendo que 15% dos usuários esporádicos passam a ser dependentes químicos. Entre as drogas ilícitas, a mais consumida é o crack.
FOTO: DANIEL IGLESIAS
No exercício da profissão, policiais convivem com usuários e traficantes
RESISTÊNCIA
Resquício da cultura militar é entrave ao tratamento
Cabos, sargentos, tenentes, policiais de menores patentes e até médicos da corporação. Acostumados com o cotidiano de apreensão de crack, policiais militares e civis acabam configurando o paradoxo: perdem o controle no uso da droga e acabam internados em clínicas de recuperação.

A frequência deles em tratamentos contra dependência química tem sido considerável, segundo informa um proprietário de uma comunidade terapêutica na região Central de Minas. "Já recebi aqui vários deles. Como trabalham com segurança, ficam mais vulneráveis ao crack, mas só aceitam ajuda quando não há mais outra opção", revela o homem, que foi dependente químico durante 12 anos e montou a clínica após sua recuperação.

Segundo ele, um dos entraves no tratamento dos policiais são os preceitos da cultura militar. "Eles chegam aqui arrogantes e evitam mostrar que passam por dificuldades. Nunca acham que estão viciados, mas acabam cedendo e saem daqui satisfeitos", afirma. (RRo)
Corporação costuma afastar os viciados
A pressão e o estresse sofridos por policiais em função de sua atividade têm feito com que vários deles procurem a Diretoria de Recursos Humanos da Polícia Civil em busca de tratamento contra dependência química.

A corporação não quis comentar, mas a reportagem conversou com uma ex- funcionária que trabalhou durante anos na recuperação de policiais viciados em crack. "Eles trabalham em uma condição bastante vulnerável. Isso é algo muito delicado, eles não podem ser vistos como marginais", disse. Para ela, a polícia ainda não está preparada para lidar com profissionais viciados em crack. "Eles não sabem como tratar os policiais, que acabam afastados", comentou. (RRo)
FOTO: ALEX DE JESUS
Viciada em crack desde a adolescência, jovem de 24 anos seguiu ontem para clínica paulista onde fará tratamento
Uma nova chance para Carolina
RAPHAEL RAMOS
Um beijo e um abraço apertado selaram uma nova etapa na vida de Carolina Moreira Alves Pereira, 24, e da mãe dela, a dona de casa Sônia Cristina Moreira, 42. Com dez anos de uso de crack, a jovem seguiu ontem para a internação em uma clínica de reabilitação na cidade de Atibaia, no interior de São Paulo, onde deverá ficar pelos próximos nove meses. O tratamento, custeado pelo Estado a partir de uma decisão judicial, é a 72ª tentativa da dona de casa de ver a filha curada do vício adquirido ainda na adolescência.

A despedida de mãe e filha aconteceu no pátio do Hospital Raul Soares, na capital, onde Carolina passou os últimos 12 dias internada. "É uma vitória. Estou confiante de que ela vai voltar curada", disse a mãe.

Apesar de visivelmente abatida e debilitada fisicamente por conta dos anos seguidos no vício, Carolina também demonstrou estar confiante de que conseguirá se recuperar. Antes de seguir viagem, fez questão de se preparar. Pegou o estojo de maquiagem emprestado com a irmã, passou batom e arrumou o cabelo. "Tudo vai dar certo. Nunca mais vou usar drogas. Agora é uma nova Carol".

Para a mãe de Carolina, o tratamento obrigatório é a última esperança de cura após internar a filha por 71 vezes. Nas outras ocasiões, Carolina abandonou o tratamento ou fugiu das clínicas. Com a decisão judicial, a internação em São Paulo deveria acontecer mesmo sem a vontade da paciente. A prática não é adotada em Minas, que só realiza internações voluntárias.

A decisão, que recebeu o apoio do Ministério Público Estadual (MPE), foi publicada ontem no Diário do Judiciário. Conforme a decisão do juiz Geraldo Claret Arantes, caberá ao Estado custear os R$ 18 mil do tratamento. O transporte de carro até Atibaia foi providenciado pela ONG Defesa Social, que ajuda famílias de dependentes.

Ontem, ao de despedir de Carolina, a dona de casa falou sobre os anos de sofrimento que tem vivido desde que a filha teve os primeiros contatos com drogas. O início, aos 14 anos, disse Sônia Moreira, foi com maconha. Três anos depois, Carolina conheceu o crack. "A partir daí, a nossa vida se transformou. Ela passou a fazer uso diário de crack. Roubava para conseguir dinheiro e sustentar o vício.

Nos períodos mais críticos, disse a dona de casa, a filha sumia por 15 dias seguidos. "Só pensava o pior". Agora, Sônia não quer pensar no pior, mas em ter de volta a Carol que perdeu para o crack.



Série de reportagens mostra amanhã o drama de crianças retiradas do convívio de pais viciados em crack.
FOTO: ALEX DE JESUS
Carolina ganha beijo da mãe antes de partir
Para juiz, jovem tem "direito à vida"
Para atender o pedido da mãe de Carolina Moreira, o juiz Geraldo Claret de Arantes levou em consideração o risco de morte da jovem que fazia uso diário de crack. "Sua mãe demonstrou toda a gravidade do caso e recorre insistentemente ao Estado e à sociedade, inclusive através de diversos órgãos de imprensa, em sua luta para salvar a vida de sua filha", atestou o juiz na decisão sobre a internação compulsória. No parecer, Arantes afirmou que o direito à vida é "consagrado pela Constituição Federal" e cabe ao Estado a contrapartida para garanti-lo. Ontem, a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) reafirmou que só irá se manifestar sobre a decisão após ser oficialmente comunicada pela Justiça. (RR)
MINIENTREVISTA
"A Carol está indo, mas vai voltar curada"
Sônia Moreira, 42
Mãe de Carolina
O que representa a internação da Carolina para a senhora?
É uma vitória. Estamos esperançosos e confiantes de que ela está indo e vai voltar curada.

Como têm sido esses dez anos em que ela faz uso de droga?
Foi um período de angústia. Várias vezes ela ficou 15 dias sem aparecer em casa. Eu só pensava o pior.

E se o governo não quiser pagar a conta?
Não pensei nisso ainda. Meu objetivo é levar minha filha para ela se recuperar.

Como a senhora imagina que será o tratamento?
Continuarei morando em Belo Horizonte porque tenho outros filhos e minha neta para cuidar, mas vou visitá-la pelo menos uma vez por mês. Vou sentir saudade.

Qual a mensagem a senhora deixa para as mães que estão com seus filhos na mesma situação da Carolina?
Nunca desistam dos seus filhos. Eles são presentes de Deus. Se não lutarmos por eles, quem fará isso? (RR)
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O Tempo
22/08/2011
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