Estabelecimentos vendem anti-inflamatório no lugar de antibiótico, que agora só é comprado com receita médica
FREDERICO HAIKAL
Uso de anti-inflamatórios pode mascarar sintomas da doença
As farmácias de Belo Horizonte estão usando o velho expediente da "empurroterapia" na tentativa de contornar os prejuízos gerados pela exigência de receita médica para venda de antibióticos. Esta regra da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) entrou em vigor no final do ano passado. Os estabelecimentos indicam anti-inflamatórios no lugar dos remédios agora controlados.
De acordo com especialistas, o uso indiscriminado do medicamento representa grave risco à saúde e, em muitos casos, o paciente pode estar fazendo tratamento não indicado.
A reportagem do Hoje em Dia foi a três estabelecimentos à procura de antibióticos para tratamento de dor de garganta. Em todos eles os balconistas indicaram anti-inflamatórios, sem fazer qualquer tipo de avaliação. Além desta falha, estas farmácias ainda comercializaram, sem prescrição médica, medicamentos com tarja vermelha.
O coordenador científico da Sociedade Mineira de Infectologia, Antônio Carlos de Castro Toledo Júnior, alerta que os dois tipos de medicamentos são completamente diferentes. E que o uso deles ou de qualquer outro remédio sem orientação médica é prejudicial à saúde.
Segundo o especialista, a substituição de antibióticos por anti-inflamatórios pode piorar o quadro do paciente. Usando com exemplo a dor de garganta, o médico alerta sobre os riscos do tratamento incorreto. "Causada por vírus ou por bactérias, o tratamento desta enfermidade só será eficiente após o diagnóstico", afirma Toledo Júnior. "Já na forma viral, que corresponde a até 90% dos casos, a cura acontece espontaneamente. O anti-inflamatório vai aliviar os sintomas da dor e o inchaço, mas ele poderia ser substituído por um analgésico. Neste caso, o maior problema é que o uso do medicamento de forma inadequada pode provocar feitos colaterais como gastrite, úlcera, insuficiência renal e até mesmo a morte, em casos mais extremos".
Ainda conforme o coordenador da Sociedade Mineira de Infectologia, no caso de a doença ter sido provocada por bactéria, a substituição de antibióticos por anti-inflamatórios por ser ainda mais grave. "A pessoa vai ter a doença mascarada. O anti-inflamatório vai, no início, combater a febre, a dor e o inchaço, mas não a doença. A infecção poderá progredir para um abscesso, com risco de uma disseminação bacteriana pelo corpo".
O vice-presidente do Conselho Regional de Farmácia, Luciano Rena, frisa que, por lei, a presença de um farmacêutico é obrigatória nos estabelecimentos. "Se a pessoa não tem um diagnóstico clínico, o farmacêutico é preparado para orientar. Mas o ideal é que as pessoas procurem o médico antes de se medicar."
Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde informou que a Vigilância Sanitária de BH trabalha de maneira preventiva, e que a fiscalização não tem como fazer flagrantes de venda irregulares, já que o fiscal, por formalidades legais, só pode iniciar seu trabalho após se identificar. A nota ressalta ainda que os anti-inflamatórios não podem ser indicados por nenhum funcionário de farmácia. Irregularidades devem ser comunicadas pelo telefone 156, ou pelo site da prefeitura.