Usuários de crack não se intimidam com o movimento de pessoas e da PM, e fumam pedras a um quarteirão da Praça 7
FREDERICO HAIKAL/ARQUIVO HOJE EM DIA

Consumo de droga é feito, ao ar livre, sem constrangimento
Usuários de droga ignoram a presença da polícia e fumam crack a um quarteirão da Praça 7, no Hipercentro de Belo Horizonte. Na Avenida Santos Dumont e na Rua dos Tamoios, o consumo é feito em meio aos pedestres e deixa amedrontado quem passa pelos locais. Segundo a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), o crack lidera as apreensões de entorpecentes na capital.
Com medo da reação dos dependentes de droga, a assistente de vendas Ana Gabriela Mendonça, 27 anos, evita ficar sozinha nos lugares onde os grupos de viciados se concentram. "Se o ponto de ônibus está vazio, procuro outro, mais cheio". Ela nunca teve problemas com os usuários. Mesmo assim, prefere manter distância deles "para não se complicar". "Nunca os vi abordar ou assaltar alguém. Mas não se sabe o que pode acontecer durante as alucinações".
Comandante da 6ª Companhia do 1º Batalhão de Polícia Militar, o major Alfredo Veloso explica que não há como "conter" os usuários, pois todos os dias eles mudariam de "endereço". "O combate ao uso de drogas no Centro é diário e sempre fazemos o mapeamento das áreas. Se hoje os dependentes estão em um lugar, amanhã se reúnem em outro e, aí, nosso trabalho recomeça".
Abordado, uma vez, por três viciados que queriam dinheiro para comprar crack, o segurança noturno Alberto Fonseca Silva, 35 anos, passou por momentos difíceis. "Eles estavam com uma faca e me ameaçaram. Disse que não tinha dinheiro e ofereci cigarros. Eles aceitaram e fui embora ileso", recorda.
Após o susto, Alberto ligou para a polícia e informou a localização exata do grupo. "Não fiquei para ver a ação da PM, mas no outro dia eles não estavam mais lá".
O comandante da 6ª Companhia PM diz que atitudes como a de Alberto dão uma ajuda considerável às autoridades, e permitem a apreensão da droga na Região Central. "A maioria das informações chega por meio Disque-denúncia, pelo número 181. A pessoa não precisa se identificar". Segundo o major, os usuários garantem que a maior parte das pedras é comprada na Pedreira Prado Lopes (PPL), na Região Noroeste de BH. As imediações da favela são conhecidas como "cracolândia", devido ao intenso comércio e consumo da droga.
Na Rua dos Tamoios, a poucos metros do cruzamento das avenidas Afonso Pena e Amazonas, os usuários se juntam para fumar crack embaixo da marquise de uma empresa de telefonia. Por meio de nota, a operadora informou que, diariamente, os funcionários precisam retirar a sujeira deixada na calçada pelos dependentes químicos.
"Eles aproveitam que o local é escuro. Muita gente acha que eles estão fumando cigarro comum", afirma um dos funcionários da empresa, que pediu para não ser identificado. A Prefeitura de Belo Horizonte alega que não pode retirar as pessoas das ruas contra a vontade delas.
Na Avenida Santos Dumont, próximo ao cruzamento com a Rua São Paulo, os viciados, em grande parte jovens, não se intimidam com a claridade trazida pelos postes de iluminação ou com o tráfego de viaturas da PM. O dono de um bar que fica ao lado do ponto "usado" pelos dependentes afirma que já presenciou várias alucinações. "Eles entram aqui querendo dinheiro e falando que estão vendo monstros", diz o comerciante, que pediu o anonimato.
De acordo com a Seds, o número de apreensões de crack na capital cresceu cerca de 20% entre 2009 e 2010 - foram 3.391 no primeiro ano, e 4.073 no seguinte. A droga só perde para a maconha, recolhida em 6.451 situações em 2009 e 6.778 vezes no ano passado.
Preço reduzido acelerou consumo do entorpecente
O baixo custo do crack em relação a outras drogas não significa que ele esteja restrito à população menos favorecida economicamente. O preço da pedra varia entre R$ 5 e R$ 10. O entorpecente alcançou, aos poucos, as classes sociais mais altas, e faz vítimas entre atletas e famosos.
De acordo com Rogério Salgado, psicólogo da Associação Brasileira Comunitária para a Prevenção do Abuso de Drogas (Abraço), o apelo “econômico” do crack sempre foi muito forte. Por isso, a droga acabou “adotada” por pessoas de baixa renda. Mas, aos poucos, seduziu também quem tinha maior poder aquisitivo, fazendo “concorrência direta” com a heroína, a cocaína, o ecstasy e a maconha.
No fim de 2010, o advogado Ércio Quaresma, que ficou conhecido no país inteiro por defender o goleiro Bruno no caso do desaparecimento da ex-modelo Eliza Samudio, abandonou a causa para fazer um tratamento de desintoxicação de crack. A dependência química do advogado teve repercussão nacional. Quaresma evita falar sobre o assunto.
Nem o esporte ficou livre das pedras. O atacante Jóbson, hoje no Atlético, defendia o Botafogo quando foi flagrado em um exame antidopping. Durante o julgamento, em janeiro de 2010, o jogador confessou ter voltado a fumar as pedras – o primeiro contato com o crack teria acontecido na adolescência. Jóbson foi condenado pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva a dois anos de suspensão. Ele conseguiu reverter a pena e cumpriu apenas seis meses da sentença.
Em janeiro de 2008, o jornal britânico The Sun divulgou um vídeo onde a cantora pop Amy Winehouse aparece consumindo pedras na companhia de um amigo. Na filmagem, ela afirma também ter tomado tranquilizantes.
Segundo Salgado, vários motivos levam uma pessoa a usar drogas. “Se houvesse um padrão, o problema seria facilmente resolvido”, diz. Ele explica que o fato de ter dinheiro facilita a compra de qualquer entorpecente. “Neste caso, as pessoas geralmente escolhem aquele que dá efeito mais rápido”.