Registros do crime na capital subiram 86,6% de 2009 para 2010, situação que se repete em outras metrópoles
FREDERICO HAIKAL
Registro na polícia garante às vítimas de estupro atendimento hospitalar
As ocorrências de estupro aumentaram 86,6% em Belo Horizonte, no ano passado, em relação a 2009. De janeiro a dezembro de 2010, 405 vítimas procuraram a polícia para denunciar o crime. O levantamento da Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) revela que a média é de mais de um caso registrado por dia na capital mineira.
BH não foi a única metrópole a observar o crescimento. Na capital paulista foram 2.513 estupros em 2010, e 1.593 em 2009. A diferença é de 57,7%. No Rio de Janeiro, as ocorrências dobraram. No ano passado, a média foi de mil casos, contra pouco mais de 400 no ano anterior. Em Salvador, na Bahia, os registros passaram de 93 para 148, 59,1% a mais.
A mudança na lei que tipifica o crime pode ter influenciado as taxas. O texto foi alterado em agosto de 2009. Antes, o estupro era definido como prática sexual forçada, imposta por meio de violência ou grave ameaça entre um homem e uma mulher. A nova redação inclui as relações feitas contra a vontade de uma das partes também quando os envolvidos são do mesmo sexo.

Outra alteração é que o texto atual classifica como estupro o que era tido como atentado violento ao pudor: atos sem conjunção carnal. Entre eles estão, por exemplo, o sexo anal e o oral.
A psiquiatra forense Naray Paulino não tem dúvidas de que as modificações interferiram nas estatísticas. Segundo ela, antes da mudança, os atentados ao pudor eram mais frequentes que os estupros. “Houve aumento no registro do crime que, agora, engloba outros delitos”, diz.
Mas a delegada Cláudia Sadi Cury, de Atendimento à Mulher, acredita que as pessoas têm tido mais coragem de denunciar a violência. Uma das orientações de Cláudia é que a vítima procure a polícia imediatamente, para fazer o exame de corpo de delito. Não tomar banho antes de buscar ajuda é outro detalhe fundamental para a investigação, pois permite que o material genético do agressor, como o sêmen, seja coletado. Tentar guardar características físicas do criminoso, como tatuagens, também facilita futuros reconhecimentos.
Na capital, a Maternidade Odete Valadares, do Estado, e o Hospital Odilon Behrens, da prefeitura, oferecem às vítimas de estupro medicamentos para prevenir doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). Para as mulheres, fornecem ainda a pílula do dia seguinte, para evitar uma possível gravidez. O acesso ao serviço só é feito após apresentação do Boletim de Ocorrência. Uma equipe multidisciplinar, que inclui psicólogos, presta atendimento aos pacientes.
A pena para o autor de estupro varia de seis a dez anos de prisão, e sobe para 30 anos em caso de morte da vítima. Se a pessoa abusada sofrer lesão corporal de natureza grave, tiver sequelas ou ficar afastada do trabalho por mais de 30 dias, a punição também aumenta, podendo ir de oito a 12 anos de prisão.
Violência satisfaz agressor
Não há um perfil definido para o estuprador. Mas demonstrações de comportamento patológico e de distúrbios de personalidade são, em geral, características comuns aos criminosos.
“Há várias motivações para que alguém venha a ter atitudes violentas durante o ato sexual”, afirma o psiquiatra forense Paulo Roberto Repsold. Ele alerta, porém, que nem todos os indivíduos com algum tipo de conduta doentia são estupradores em potencial.
A psicanalista Soraya Hissa afirma que as mulheres são encaradas como um objeto sexual pelos agressores. “Eles não se importam com o prazer, mas com a violência do ato”.
A falta de consenso durante a relação e a brutalidade fazem com que a vítima manifeste consequên-cias graves após o abuso. “Ela é sofrida e muitas vezes não tem coragem de se expor. Fica com medo de que o episódio se repita e apresenta um quadro de estresse pós-traumático”, explica Soraya.
Sequelas atormentam vítima por até 6 meses
A especialista avisa que as sequelas podem não ser imediatas. “Há casos em que as manifestações só acontecem 48 horas depois do crime, e podem perdurar por mais tempo”, diz. “Se a vítima não se tratar, é possível que os sintomas continuem existindo até seis meses depois”.
Ajuda gratuita para superar trauma
A gravidade dos traumas deixados pelo estupro levou o poder público a se organizar para oferecer a quem sofreu abuso apoio para retomar a vida normal. Aconselhamento psicossocial, orientações jurídicas e voltadas para a proteção familiar estão entre as ações desenvolvidas pelos grupos. O acolhimento é gratuito.
A Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese) mantém em Belo Horizonte e Ribeirão das Neves (Grande BH), Governador Valadares (Leste) e Montes Claros (Norte) o Núcleo de Atendimento às Vítimas de Crimes Violentos. No restante do território mineiro, tem parcerias com organizações não-governamentais, conselhos e associações para garantir o mesmo serviço.
Na capital, a prefeitura é responsável pelo Centro de Referência Especializado da Assistência Social (Creas). Lá são atendidas mulheres, crianças e adolescentes.
O testemunho da balconista G.H.S., 37 anos, mostra como as marcas da violência são duradouras. Abusada há dois anos, ela ainda não se recuperou do trauma.
O agressor de G.H.S. foi um ex-namorado, com quem ela se encontrou, por acaso, em uma festa. O relacionamento havia terminado há três anos. “Fui surpreendida em frente ao banheiro. Ele me agarrou e levou para uma das cabines masculinas”. Os pedidos de socorro da mulher, que estava no evento com o marido, foram ouvidos por um segurança muito tempo depois. “Ele não chegou a consumar o estupro, mas tentou”, recorda. Hoje, G.H.S. aguarda a decisão da Justiça para o caso.
A estudante de Direito T.C.R, 23 anos, trabalhava como garota de programa quando foi estuprada por um cliente, na casa dele. Assim que chegou ao endereço, o homem se recusou a pagar o encontro. Trancou a jovem no imóvel, rasgou a roupa dela e a obrigou a fazer sexo sob ameaça de morte. A vítima procurou a polícia e, após a queixa, o agressor voltou a tentar intimidá-la. O caso também está na Justiça.